A História da Residência da Finlândia em Maputo

A Residência da Embaixadora da Finlândia em Moçambique, localizada na Rua da Gorongosa, em Maputo, detém uma história que merece ser partilhada. Projectada pelo Pancho Guedes, o arquitecto mais famoso na história arquitectónica de Moçambique, no final da década de 1960, a casa testemunhou ao longo das décadas uma narrativa residencial interessante. Desde 2003, serve como moradia para os Embaixadores finlandeses e, desde 2007, figura também como propriedade oficial do Governo da Finlândia.

A Residência da Finlândia, construída no final dos anos 60, foi considerada "o melhor de todos os Palácios Euclidianos" pelo seu arquitecto Pancho Guedes.

Arquitectura

Amâncio d'Alpoim Miranda "Pancho" Guedes (1925-2015) foi um arquitecto, escultor e pintor português que passou grande parte da sua vida em Moçambique, até à independência do país em 1975, quando, tal como milhares de outros portugueses, teve de deixar o país. Como arquitecto inovador e produtivo, o Guedes projetou centenas de edifícios nas décadas de 1950 e 1960, muitos deles em Maputo, que naquela época ainda era conhecida pelo seu nome colonial português, Lourenço Marques. O estilo de Guedes e de seus contemporâneos tem sido descrito como “modernismo tropicalizado”.

Uma das obras mais notáveis do Guedes é a Casa Simões Ferreira, a actual Residência Finlandesa. Esta casa foi um dos seus três “Palácios Euclidianos”, sendo as outras duas casas as actuais residências do Embaixador italiano e do Alto Comissário sul-africano em Maputo. Descritas pelo Guedes como “precisas e geométricas”, estas vilas são verdadeiramente fiéis à origem do seu nome: Euclides, o antigo matemático grego, é considerado o pai da geometria.

Guedes próprio chamou à Casa Simões Ferreira, construída em 1968-1969, “o melhor de todos os Palácios Euclidianos” – as suas palavras no guia da exposição da sua retrospetiva (Pancho Guedes, Vitruvius Mozambicanus) realizada em Lisboa em 2009. Rica em detalhes cuidadosamente pensados, grande parte do interior da casa foi construído com madeira de mogno trabalhada.

Algumas fotografias únicas da fase de construção da casa podem ser encontradas no blogue Houses of Maputo(Ligar a outro website.). Como as fotos mostram, a Casa Simões Ferreira foi a primeira a ser construída na encosta da Rua da Gorongosa – que hoje está totalmente urbanizada. Importa notar que a Casa Simões Ferreira também é conhecida pelo nome de “Casa do Frontão Quebrado”.

Casa Simões Ferreira

A pessoa que encomendou a casa, o Dr. José Simões Ferreira, era um rico oncologista de origem portuguesa, que recorreu ao Pancho Guedes com o pedido de projectar uma casa para a sua filha Teresa. A Teresa, no entanto, mudou-se para o exterior para estudar, casou-se e foi viver nos Estados Unidos, aparentemente nunca chegando a habitar a casa. A pessoa com que a Teresa Simões Ferreira se casou era o John Heinz, herdeiro do império do ketchup Heinz e, posteriormente, senador. Após o falecimento do Sr. Heinz, a Sra. Teresa Heinz casou-se novamente com o Senador John Kerry, que também serviu como Ministro dos Negócios Estrangeiros dos EUA.

A família Simões Ferreira foi uma das milhares famílias portuguesas que teve de deixar Moçambique e os seus bens quando o país alcançou a independência em 1975. A Casa Simões Ferreira foi, subsequentemente, uma das muitas propriedades privadas nacionalizadas em 1976, com a criação da APIE (Administração do Parque Imobiliário do Estado).

Expansão da casa

Após a independência de Moçambique, a casa foi brevemente utilizada por alguém que trabalhava para uma organização das Nações Unidas em Maputo. Posteriormente, em 1978, a casa passou para as mãos de uma família moçambicana, onde permaneceu até meados da década de 1990.

Durante esses anos, a casa cresceu em tamanho. A Casa Simões Ferreira original ganhou um piso adicional, uma cave, para complementar os dois pisos originais da casa. Novos elementos foram acrescentados também no jardim.

Como mencionado acima, durante muito tempo, a casa foi a única na Rua da Gorongosa. A encosta que descia até à Baía de Maputo estava no seu estado natural, com animais e plantas fazendo companhia aos moradores que por ali passavam. Foi somente a partir de meados da década de 1990 que a construção da área começou a acelerar. Alguns anos depois, a casa foi vendida a outro proprietário privado.

Residência

A Finlândia estabeleceu relações diplomáticas com Moçambique em 18 de Julho de 1975, poucas semanas após o país ter obtido a independência, em 25 de Junho do mesmo ano. Inicialmente, a Finlândia cobriu as relações a nível de Embaixada com Moçambique através de uma acreditação paralela de Dar es Salaam, na Tanzânia. Em 1989, a Finlândia estabeleceu um escritório de cooperação para o desenvolvimento em Maputo, que também funcionava sob a alçada da Embaixada da Finlândia na Tanzânia. Em 1999, a acreditação paralela para Moçambique passou de Dar es Salaam para a Embaixada da Finlândia em Pretória, África do Sul. Posteriormente, em 2003, a Finlândia abriu uma Embaixada independente em Maputo e acreditou um Embaixador plenipotenciário para Moçambique.

Foi nesta altura que a Finlândia começou a alugar a propriedade na Rua da Gorongosa 96, a Casa Simões Ferreira, como residência diplomática. E, quando surgiu em 2007 a oportunidade de adquirir a propriedade, o Governo da Finlândia decidiu dar este passo. Desde então, a casa pertence e é mantida pela Finlândia. O Governo finlandês fez apenas algumas alterações notáveis na casa, uma delas sendo a sauna que foi construída no piso inferior da casa – em conformidade com o facto de praticamente todas as casas finlandesas terem a sua própria sauna.

Desde 2003, a Residência teve os seguintes Embaixadores como residentes: Sr. Markku Kauppinen, Sr. Kari Alanko, Sr. Matti Kääriäinen, Sra. Seija Toro, Sra. Laura Torvinen e Sra. Anna-Kaisa Heikkinen.

Fontes

Este texto não teria sido possível sem valiosas fontes de informação. Tive a sorte de conhecer a família moçambicana que viveu na casa após 1978. A professora Esther Giani, da Universidade de Veneza, que realizou extensas pesquisas sobre o Pancho Guedes, orientou-me para várias boas fontes de informação. O antigo Embaixador alemão Philipp Schauer publicou em 2015 um livro intitulado “Maputo – Architectural and Tourist Guide” que dedica uma página à Casa Simões Ferreira. E, obviamente, existe, também, uma página da Wikipédia sobre Pancho Guedes(Ligar a outro website.), que inclui diversos links para leituras adicionais.

 

Anna-Kaisa Heikkinen

Embaixadora da Finlândia

Janeiro de 2024