Um semestre de diversão em Tampere 

Por Aliandra Barlete

Kaukjärvi congelado. Foto Aliandra Barlete. O lago Kaukajärvi congelado, em Tampere (10/2/07, -11 graus).

Eu jamais pensei que moraria na Finlândia. Até maio de 2006, quando recebi a carta de aceite e a bolsa de estudos para cursar o Mestrado em Educação Superior do Programa Erasmus Mundus, a Finlândia representava para mim nada mais que um país em que fazia muito frio, de onde vinha a Nokia, e o qual fazia fronteira com a Rússia. Na verdade, sequer havia visto uma palavra escrita em finlandês antes de aterrissar no país. Toda essa imagem mudou quando, na primeira metade de 2007, 17 colegas de mestrado e eu tivemos a experiência de passar um semestre na cidade de Tampere, 2 horas ao noroeste de Helsinki. Nesta cidade no interior da Finlândia cursamos a segunda parte do primeiro ano do programa.

Sem sombra de dúvidas, o primeiro aspecto que chamou a atenção foi o clima. No dia que chegamos, primeiro de janeiro, não tinha neve e estava “quente” com +2 graus. Foi um choque, pois saímos de Oslo com neve e temperaturas negativas. Não durou muito. Na semana seguinte, começou a nevar e a esfriar de uma forma surpreendente. Nunca esquecerei a manhã da terça-feira, dia 7 de fevereiro, quando olhei o termômetro antes de sair para a universidade e quase não acreditei nos meus olhos: marcava -34 graus!! Depois do grito de susto, abri a porta da cozinha rapidamente e saí pra ver o que acontece, se alguma parte do corpo congela, ou se era muito difícil respirar com o ar tão frio. Quando vi que nenhum dos meus dedos caiu, o dia seguiu como o anterior, quando fez -25º C.

A estrutura das casas e serviços na Finlândia é bem planejada para lidar com o frio. Os ônibus não atrasam e são constantes, as paradas são protegidas, as estradas e ruas são limpas constantemente para evitar acidentes, e as casas possuem calefação e isolamento. Depois de algumas semanas, já se acostuma a andar bem vestida, e adaptar o seu dia-a-dia ao frio.

Aliandra Barlete in UTA Verão na Universidade de Tampere (10/06/07, +22 graus).

Vale lembrar que não existe somente inverno na Finlândia! A partir de abril a temperatura melhora muito, os lagos começam a descongelar, e o sol e a claridade reaparecem. No inverno, quando o sol aparece muito pouco e as noites são largas, a neve acaba por oferecer a claridade que falta. No verão, pelo contrário, tem-se luz por 90% do dia - tanto que até os pássaros se confundem, e nos acordam às 3 da madrugada cantando felizes como se fosse manhã. No principio do verão, como eu não estava costumada a dormir com a claridade, costumava sair para correr às 11 da “noite”, e retornava à meia-noite, e ainda era claro. O verão é muito agradável, com 20 graus e a cidade se transforma. A natureza abundante do país ganha muito mais cor, em particular com o azul dos lagos, e o verde das florestas.

Essa variação de temperatura não foi o suficiente para fazer com que nossa turma hibernasse. O frio e a neve podem ser muito divertidos! Pode-se esquiar, patinar, fazer marcha nórdica (nordic walking), mergulhar no lago congelado (winter swimming), e fazer outras várias atividades que eram muito legais, além de guerrinhas de neve e escorregar na neve que nem as crianças. Cada vez que saíamos de casa, com -5 ou -15 graus, sempre havia famílias brincando juntas na neve, e as crianças pareciam de divertir muito. Conosco não foi diferente. Como a maioria dos meus colegas vinha de países quentes (Etiópia, Uganda, Tailândia, Vietnam, Índia, Paquistão), muitos de nós nunca tinha esquiado ou patinado no gelo, por exemplo. Cada vez que um de nós caia (mais ou menos a cada dois minutos) era uma risada eu não posso descrever. Entrar no lago congelado então... imagina a gritaria! Sair da sauna, que estava com 80 ou 90 graus e entrar por alguns segundos nas águas de um lago congelado foi um desafio. Mesmo assim, aceitamos o desafio (mais de uma vez) e adoramos!

Bebidas no gelo. Foto Aliandra Barlete. Guardamos a cerveja na “geladeira” improvisada, o pátio de casa.

Há outros aspectos que também me impressionaram em Tampere. Um deles foi o silêncio. Confesso que levou um tempo para me desacostumar com o barulho e o trânsito, mas uma vez que se acostuma com o silêncio, é maravilhoso. Por outro lado, a comida não era o meu ponto favorito. Para remediar isso, participei de um cooking group com outros estudantes internacionais, e foi uma ideia genial. Desde então, cozinhar e comer juntos com os amigos e colegas virou a atividade mais frequente que fazíamos. Sempre havia uma “desculpa” para juntar todos na casa de alguém, comprar bebidas para resfriar no pátio (era mais frio que a geladeira!), e cozinhar algo entre todos.

Pensar no semestre que passei em Tampere sempre me faz rir, pois as lembranças são de muita diversão e novidades. Acredito que, pelo fato de estarmos entre uma turma de colegas, lidar com a distância e o inverno rigoroso foi mais fácil. Entretanto, estava implícito que nós estávamos decididos a tirar o melhor proveito possível da situação, logo não deixar que o clima desse menos valor a nossa experiência na Finlândia. A Finlândia é um país lindo, de gente muito simples, e com uma natureza abundante. Vale a pena explorá-lo com a noção de que há muito mais do que o “frio” - só depende de um pouco de criatividade para descobrir e aproveitar esse país tão peculiar.