Somos uma família

"Partir c´est mourir un peu – especialmente quando se parte de um país de que se gosta muito. Quase quatro anos em Portugal, voaram." Artigo da Embaixadora da Finlândia Tarja Laitiainen no fim da sua comissão para Portugal, publicado no Diário de Notícias em 24.7.2020.

A Presidência da Finlândia na União Europeia acabou em dezembro de 2019 com um jantar oferecido pelo Presidente da República de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa. Fotografía: Rui Ochoa/Presidência da República.

O Artigo foi publicado no Diário de Noticias de 24.7.2020

A vontade de aprender faz parte das valias de um diplomata. Troca-se de país, de continente, de língua e de cultura com uma frequência de três a quatro anos. Contei recentemente que já tive de mudar de casa por causa do trabalho 16 vezes, sendo a maior parte delas mudanças de um continente para o outro. Ao longo deste caminho tenho tido a oportunidade de conhecer vários locais do nosso querido planeta - do ambiente rico em emoção e espontaneidade da América Latina, à cultura codificada e hierárquica do Leste Asiático, - e desempenhar as funções de Embaixadora no país mais rico e no país mais pobre.

Cheguei com entusiasmo a Portugal, para a minha quarta missão como Embaixadora, porque não conhecia muito bem o país e pensei que iria aprender a língua facilmente. O país e as pessoas eram tão simpáticos como tinha em mente, mas relativamente à língua o meu desapontamento foi grande, requereu um maior esforço do que esperava. Durante um ano tive energia para estudar, alcancei um nível que me permitiu compreender 96% do discurso dos políticos portugueses, enquanto ouvia o noticiário do rádio. Decidi então começar a falar sem me importar com os meus erros. Este conhecimento linguístico, mesmo limitado, tem sido gratificante especialmente nas minhas diversas viagens, nos tempos livres, pelas várias regiões de Portugal.

Monsanto, uma aldeia rodeada de grandes blocos de pedra, onde as pessoas se têm adaptado a eles e não o contrário; uma noite de escuridão suave depois de um dia de sol tórrido; conversas interessantes no SummerCemp organizado pela Comissão Europeia com jovens participantes portugueses extremamente inteligentes. Um concerto magnífico no Marvão com o Presidente da República e com colegas. Uma refeição apetitosa num restaurante típico com um vinho tinto corpulento, numa noite de inverno fresco, num Monsaraz quase vazio, no ninho da águia, em paz, apreciando o silêncio. Fado interpretado por amadores locais na Graça, num sítio pequeno que os turistas ainda não descobriram. Os passeios nas lindas praias selvagens da Costa Vicentina, que gostava que ficassem protegidas. 

Estas memórias e muitas outras vou guardar no meu coração para o resto da minha vida.

Política da UE e relações económicas

Na minha missão calharam dois anos importantes: 2017, quando a Finlândia completou os 100 anos da independência; e 2019, em que a Finlândia foi Presidente do Conselho da União Europeia, tarefa que Portugal vai assumir no início do ano que vem. Ambos os anos, repletos de acontecimentos e cheios de trabalho, deixaram boas memórias. A colaboração, tanto com o Presidente da República, Primeiro Ministro e vários ministros do seu governo, como também com o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi excelente. Somos uma família, juntos somos mais fortes.

Não posso reivindicar o mérito do reforço da presença das empresas finlandesas no mercado português, o louvor é todo das empresas. Com toda a franqueza diga-se que, às vezes, os meandros da burocracia têm atrasado, infelizmente, o avanço de alguns projetos.

A Nokia emprega hoje em Portugal cerca de 2000 pessoas altamente qualificadas. Em 2018, os Primeiros-Ministros da Finlândia e de Portugal inauguraram a unidade de inovação da empresa na Amadora. E mais recentemente, em 2019, a Nokia anunciou a criação de um Centro de Excelência em IT nas suas instalações. A Valmet  tem funcionado em Ovar já há muito tempo e aumentado a sua produção e as funções de I&D - o último investimento desta primavera - ao mesmo tempo que a empresa finlandesa fez a sua parte, começando o fabrico de máscaras como resposta à pandemia do coronavirus. O maior investimento green field finlandês é o Ombria Resort, do grupo finlandês Pontos, que finalmente conseguiu iniciar a sua construção e emprega centenas de trabalhadores na região do Loulé, no Algarve.

Os fogos florestais de 2017 no centro de Portugal foram uma experiência chocante para mim, as vítimas mortais e as paisagens totalmente ardidas ficaram na minha memória. Espero que a nossa colaboração no sector florestal se concretize no futuro e dessa forma contribua para o objetivo do controlo dos fogos florestais.

Lisboa

Lisboa, a minha cidade nestes últimos anos. Não tenho encontrado ninguém que não ache as suas calçadas e ruas, estreitas e antigas, do centro charmosas. A cidade tem-se transformado muito nestes últimos anos e a sua popularidade como destino turístico tem aumentado tanto que, até eu, uma ‘visitante de longo prazo’, comecei a evitar as zonas de maior enchente.

A oferta turística tem-se diversificado muito. A dada altura disse ao [Presidente da Câmara Municipal] Medina, apenas meio a brincar, que a única coisa que falta em Lisboa é uma sauna finlandesa à beira Tejo. A minha cidade natal, Helsínquia, tem desenvolvido nos últimos anos a cultura da sauna nas margens marítimas do centro da cidade. Pode-se nadar no mar Báltico, as piscinas podem ser contruídas a flutuar por cima do mar. E o que pode ser mais agradável do que sair da água fria e ir-se aquecer numa sauna? Talvez esta ideia se venha a concretizar um dia. Agora que os golfinhos reencontraram o seu caminho debaixo da Ponte 25 de Abril, conseguia imaginar, tanto os lisboetas como os turistas, a desfrutar da sua companhia nas ondas suaves do Tejo.

Os finlandeses descobriram Portugal, mas os portugueses ainda não descobriram a Finlândia

A Madeira tem sido o destino favorito dos finlandeses desde o inicio das excursões turísticas e a popularidade continua. No Algarve há uma associação de finlandeses, com centenas de membros. Os vinhos tintos portugueses têm encontrado o seu caminho na Finlândia, mas gostava de encontrar mais vezes na Finlândia azeite de qualidade, as cerejas de Fundão e turistas portugueses. Quando o calor tórrido aqui se torna excessivo, o viçoso, luminoso e agradavelmente quente, ou fresco verão finlandês, é uma alternativa agradável. Poucos portugueses se têm familiarizado com a sauna relaxante ou um peixe fresco cozinhado no fumeiro, mas aqueles que já foram enriquecidos com estas experiências, na sua maioria estão contentes.

Agora que regresso à minha cidade natal de Helsínquia, espero que nos encontremos lá. Até breve!